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a corda da roupa

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Meias, meias, meias, mais meias, o pé 41 do Ricardo, o meu 39, o 26 da Inês e estas mini do bebé. E pensar que o meu marido e eu nos aborrecemos hoje de manhã por causa de umas meias… E ficámos assim, a meio da conversa, a meio do bom humor, a meio do que vale a pena.

Enquanto as estendo, olho para o vizinho de baixo que rega as plantas no seu quintal. Viúvo. Penso se alguma vez terá discutido por causa de umas meias. Talvez sim. Mas, pensando na sua mulher, no seu sorriso que recordo como doce e sempre atento aos pormenores, não me parece que alguma vez tenha discutido por causa de umas meias.

Deixo cair uma meia azul da Inês que, apanhando uma brisa momentânea, se instalou perto da roseira que o Sr. António regava. Olhou para cima, e sorriu, e parecia quase-quase o sorriso doce e sempre atento que tinha a sua mulher. “Sabe, agora fez-me lembrar uma coisa… uma vez a minha mulher aborreceu-se comigo por causa de umas meias… veja lá, por causa de umas meias, imagine… que saudades tenho dela, até desse episódio das meias. Éramos novos, e ainda dávamos importância às meias. Mas, olhe, na realidade, tudo vale, e o que nós nos rimos depois com isso das meias”.

“Ah, sim … pois… hum… às vezes há assim coisas dessas, mas tudo passa…, eu já aí passo a buscar a meia…”. Embatuquei. Pensei novamente no sorriso doce e atento aos pormenores que eu recordava, e dei-lhe mais valor. Porque era um sorriso maduro, um sorriso que resultava do delapidar de muitas coisas, um sorriso que resultava do limar de arestas, um sorriso que queria mesmo ser sorriso, ser doce, e ser atento aos pormenores. Que era o sorriso que o Sr. António também agora tinha.

Lembrei-me de fazer um jantar que fosse prático, para o Ricardo não gastar depois muito tempo a arrumar a cozinha, e poder ter tempo para ver um episódio completo da sua série favorita. Seria um mimo, um “pequeno pormenor” e, à minha maneira, pedir desculpa pelo episódio das meias.

Toca o telemóvel, e era o Ricardo a dizer que logo saía mais cedo, ia buscar a Inês à escolinha, e depois apanhava-me em casa, e ao bebé, para irmos ao jardim, e comer um gelado. Era um mimo, um “pequeno pormenor” e, à sua maneira, pedir desculpa pelo episódio das meias.

Talvez fosse esta a nossa maneira de irmos arranjando o nosso sorriso doce e atento aos pormenores, talhado nos pequenos incidentes do dia-a-dia.

Logo, quando saísse, iria buscar a preciosa meia azul com o desenho do monstro das bolachas, que a tia tinha oferecido nos anos à Inês. Tinha sido uma epopeia convencer a Inês que o monstro das bolachas só come bolachas e não pés, mesmo quando está com a boca aberta estampada nas meias, mas agora, que essa situação estava resolvida, eram as suas meias favoritas, e nem pensar em perdê-las, senão era uma cena…

Meias… monstros das bolachas… sorrisos… pormenores… Ricardo… eu…